Thainá Carvalho

Há em todo caso
um punho
a ser engolido
o amor, por exemplo
e seu choro em concha
ao pé do ouvido
ou uma distensão azul
muito fina e muito azul
um golpe na pupila de quem dorme
sob o céu descoberto
de meio-dia.
Uma agonia, esse punho
preso na garganta
de quem vive e se derrama
um pouco
de quem morre e descansa
um pouco
de toda forma, um grito perverso
e primordial
esse punho que geme
gutural na noite
no sono em revolta
a mão se abrindo, abrindo, toda
vem vindo, aberta
vômito
a coragem toda
saindo pela boca.

Este é o último poema do ano
não há de dizer muito
sabe, o tempo se gastou
junto com as palavras miúdas
e o sonho do sonho dormido
em um tempo mais antigo ainda
sabe, há algo se espalhando
pelas janelas e quintais
com a delicadeza uterina
das patas de um inseto
(qualquer, pois sei que todos amam)
essa verdade das flores e dos seres
tão humanos
que
.
.
.

Há uma luz intensa vinda dos nossos anos
e dos nossos passos sobre a terra
algo de constelação e areia
eterno castelo encravado na pedra
Colocamos as mãos sobre o rosto
para ver essa luz como um milagre
algo de espanto e melancolia
uma coisa, talvez, sem necessidade
que aperta o peito e sai em sorrisos
que aperta o peito e fica em lágrimas
e logo ali, onde observamos o brilho morto das estrelas
vemos também as chamas profundas
acidente dos nossos olhos
fecunda luz que fere e queima.

Sempre o som
esse som
agudo e seco
sussurro
e medo
não sei de onde vem
ou a quem pertence
esse ganido
essa semente
de algum pulmão
ser minúsculo
e coisa ao mesmo tempo
que aparece
quando menos espero
das pétalas das flores
ou das caixas de sapato
esse som
humilde e severo
me persegue
julgando-se
jogando-me
nas paredes
às vezes está em mim
implode os dentes
grita do fígado
em ato contínuo
sempre o som
e vêm os vizinhos
perguntar
que barulho é este
e eu respondo, em lágrimas
-são as faltas