Finalmente assisti Quatro Casamentos e Um Funeral

Thainá Carvalho

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e aproveitei para traduzir um poema de W. H. Auden

(Deadline.com)

Para os poucos que ainda não conhecem o longa britânico de 1994, a história de Quatro Casamentos e Um funeral gira ao redor de Charles (Hugh Grant) e seu grupo de amigos jovens que vão a quatro cerimônias religiosas de casamento em um período de aproximadamente dois anos. Dirigido por Mike Newell, o filme expõe, através de comentários ácidos das personagens e alguns fatos hilários, a pressão social e as hipocrisias sentimentais que alimentam o ritual público da união conjugal. A ironia proposital do roteiro reside no fato de que todos os amigos almejam a sensação de conclusão e amor eterno que o conceito de casamento propõe, mesmo se a cerimônia for administrada por um padre novato na forma de Rowan Atkinson atrapalhando os dizeres canônicos que antecedem o “felizes para sempre”.

Um contraponto interessante do filme é a quebra do predomínio cômico, como o próprio título do longa já entrega e eu entregarei ainda mais, partindo do pressuposto que não há spoilers para clássicos. O funeral é de um dos amigos do grupo, o animado Gareth (Simon Callow), que tem um ataque cardíaco justamente em um dos casamentos. Intrigante também é a representação cinematográfica, nos anos 90, do discretíssimo casal gay formado por Gareth e Matthew (John Hannah Matthew, nosso querido Jonathan de A Múmia). O relacionamento amoroso (e aparentemente aberto) dos dois é apontado através de pequenas dicas, como na cena de abertura em que ambos tomam café da manhã juntos, em casa, enquanto se arrumam para o primeiro casamento, ou no triste momento em que é dado um destaque maior à forma como Matthew recebe a notícia da morte de Gareth. Um adicional para essa composição homoafetiva é a leitura, feita por Matthew no velório de Gareth, do poema Funeral Blues, escrito pelo inglês W. H. Auden, que teve uma longa relação de amor com o bem mais jovem Chester Kallman.

Quatro Casamentos e Um funeral envelheceu razoavelmente bem, trazendo perspectivas diversas sobre o amor romântico, desde a inevitabilidade dos desejos não correspondidos até a possibilidade de felicidade conjugal sem o rito religioso de passagem. Admito que meu conceito mudou um pouco quanto a Hugh Grant, pois apesar de continuar achando que ele é capaz de atuar apenas no único papel de si mesmo, admito que ele era realmente lindo e fez um casal estonteante com Carrie, estrelada pela norte-americana Andie McDowell, que brilha por si só. O que inequivocadamente se mantém reconhecível do clássico nas primeiras décadas desse século XXI é a representação romântica da irresponsabilidade emocional, disfarçada de luta platônica pelo grande amor, que o protagonista demonstra em relação à sua ex-namorada, Henrietta (Anna Chancellor). E um adendo importante de gênero é que, graças a deus, Carrie também não é nenhuma santa.

Escrito por Richard Curtis, Quatro Casamentos e Um funeral foi indicado à categoria de melhor filme no Oscar de 1995, competindo, dentre outros, com Pulp Fiction e o vencedor Forrest Gump. Embora não pareça isso tudo visto de hoje, é inegável o marco que o longa deixou no desenvolvimento e estrutura das comédias românticas vindouras, especialmente nas cenas de declaração de amor feitas com roupas molhadas sob chuva. Por fim, deixo aqui minha tradução e o original em inglês do poema Funeral Blues.

Blues para um funeral — W. H. Auden (tradução de Thainá Carvalho)

Parem todos os relógios, desconectem os telefones,

Deem ao cão um osso para que cale-se enquanto o consome,

Silenciem os pianos e com tambores insones

tragam o caixão, deixem que os enlutados assomem.

Deixem que os aviões gemam em alvoroço

rabiscando no céu a mensagem “Ele está Morto”.

Coloquem fitas de crepe ao redor dos alvos pombos no chão,

deixem que o policial de trânsito use luvas negras de algodão.

Ele foi meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste,

Minha semana de trabalho e meu descanso inconteste,

meu meio-dia, minha meia-noite, minha conversa, minha canção;

eu pensei que o amor duraria para sempre, mas não tinha razão

Apaguem as estrelas, pois já não as desejarei,

Empacotem a luz e desmantelem o astro rei,

derramem o oceano e varram as florestas;

pois nada de bom agora resta.

Funeral Blues — W. H. Auden

Stop all the clocks, cut off the telephone,

Prevent the dog from barking with a juicy bone,

Silence the pianos and with muffled drum

Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead

Scribbling on the sky the message ‘He is Dead’.

Put crepe bows round the white necks of the public doves,

Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,

My working week and my Sunday rest,

My noon, my midnight, my talk, my song;

I thought that love would last forever: I was wrong.

The stars are not wanted now; put out every one,

Pack up the moon and dismantle the sun,

Pour away the ocean and sweep up the wood;

For nothing now can ever come to any good.

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Thainá Carvalho
Thainá Carvalho

Written by Thainá Carvalho

Sergipana. Escritora, curadora e colagista. Editora da Revista Desvario. @oxente_thaina.

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